terça-feira, 21 de agosto de 2012

"TECENDO O AMANHA" por João Cabral de Melo Neto

arquivo SMMS/2012

"1. 


Um galo sozinho não tece uma manhã: 
ele precisará sempre de outros galos. 
De um que apanhe esse grito que ele 
e o lance a outro; de um outro galo 
que apanhe o grito de um galo antes 
e o lance a outro; e de outros galos 
que com muitos outros galos se cruzem 
os fios de sol de seus gritos de galo, 
para que a manhã, desde uma teia tênue, 
se vá tecendo, entre todos os galos. 


2. 


E se encorpando em tela, entre todos, 
se erguendo tenda, onde entrem todos, 
se entretendendo para todos, no toldo 
(a manhã) que plana livre de armação. 
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo 
que, tecido, se eleva por si: luz balão. "


João Cabral de Melo Neto 


Fonte: Jornal de Poesia. 

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

“O PRECONCEITO NOSSO DE CADA DIA” por Jaime Pinsky



Preconceito, nunca.
Temos apenas opiniões bem definidas sobre as coisas. Preconceito é o outro que tem...
Mas, por falar nisso, já observou o leitor como temos o fácil hábito de generalizar (e prova disso é a generalização acima) sobre tudo e todos? Falamos sobre “as mulheres”, a partir de experiências pessoais; conhecemos “os políticos” após acompanhar a carreira de dois ou três; sabemos tudo sobre os “militares” porque o síndico do nosso prédio é um sargento aposentado; discorremos sobre homossexuais (bando de sem-vergonhas), muçulmanos (gentinha atrasada), sogras (feliz foi Adão, que não tinha sogra nem caminhão), advogados (todos ladrões), professores (pobres coitados), palmeirense (palmeirense é aquele que não tem classe para ser são-paulino nem coragem para ser corintiano), motoristas de caminhão (todos grossos), peões de obra (ignorantes), sócios do Paulistano (metidos a besta), dançarinos (veados), enfim, sobre tudo. Mas discorremos de maneira especial sobre raças e nacionalidades e, por extensão, atributos inerentes a pessoas nascidas em determinados Estados.

Afinal, todos sabemos (sabemos?) que os franceses não tomam banho; os mexicanos são preguiçosos; os suíços, pontuais; os italianos, ruidosos; os judeus, argentários; os árabes, desonestos; os japoneses, trabalhadores, e por aí afora. Sabemos também que cariocas são folgados; baianos, festeiros; nordestinos, miseráveis; mineiros, diplomatas etc. Sabemos ainda que o negro não tem o mesmo potencial que o branco, a não ser em algumas atividades bem definidas como o esporte, a música, a dança e algumas outras que exigem mais do corpo e menos da inteligência. Quando nos deparamos com uma exceção admitimos que alguém possa ser limpo, apesar de francês; trabalhador, apesar de mexicano; discreto, apesar de italiano; honesto, apesar de árabe; desprendido do dinheiro, apesar de judeu; preguiçoso, apesar de japonês e também por aí afora. Mas admitimos com relutância e em caráter totalmente excepcional.

O mecanismo funciona mais ou menos assim: estabelecemos uma expectativa de comportamento coletivo (nacional, regional, racial), mesmo sem conhecermos, pessoalmente, muitos ou mesmo nenhum membro do grupo sobre o qual pontificamos. Sabemos (sabemos?) que os mexicanos são preguiçosos porque eles aparecem sempre dormindo embaixo dos seus enormes chapelões enquanto os diligentes americanos cuidam do gado e matam bandidos nos faroestes. Para comprovar que os italianos são ruidosos achamos o bastante frequentar uma cantina no Bexiga. Falamos sobre a inferioridade do negro a partir da observação empírica de sua condição socioeconômica.  E achamos que as praias do Rio de Janeiro cheias durante os dias da semana são prova do caráter folgado do cidadão carioca. Não nos detemos em analisar a questão um pouco mais a fundo. Não nos interessa estudar o papel que a escravidão teve na formação histórica de nossos negros. Pouco atentamos para a realidade social do povo mexicano e de como ele aparece estereotipado no cinema hollywoodiano. Nada disso. O importante é reproduzir, de forma acrítica e boçal, os preconceitos que nos são passados por piadinhas, por tradição familiar, pela religião, pela necessidade de compensar nossa real inferioridade individual por uma pretensa superioridade coletiva que assumimos ao carimbar “o outro” com a marca de qualquer inferioridade.    

Temos pesos, medidas e até um vocabulário diferente para nos referirmos ao “nosso” e ao do “outro”, numa atitude que, mais do que autocondescendência, não passa de preconceito puro. Por exemplo, a nossa é religião, a do outro é seita; nós temos fervor religioso, eles são fanáticos; nós acreditamos na lei de Deus (o nosso sempre em maiúscula), eles são fundamentalistas; nós temos hábitos, eles vícios; nós cometemos excessos compreensíveis, eles são um caso perdido; jogamos muito melhor, o adversário tem é sorte; e finalmente, não temos preconceito, apenas uma opinião formada sobre as coisas.     
                      
Ou deveríamos ser como esses intelectuais que para afirmar qualquer coisa acham necessário estudar e observar atentamente? Observar, estudar e agir respeitando as diferenças é o que se espera de cidadãos que acreditam na democracia e, de fato, lutam por um mundo mais justo. De nada adianta praticar nossa indignação moral diante da televisão, protestando contra limpezas raciais e discriminações pelo mundo afora, se não ficarmos atentos ao preconceito nosso de cada dia. 
                                                                
PINSKY, Jaime. O preconceito nosso de cada dia. O Estado de São Paulo. São Paulo, 20/05/93.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

"CANÇÃO DO VENTO E DA MINHA VIDA" por Manuel Bandeira




"O vento varria as folhas,
O vento varria os frutos,
O vento varria as flores...
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De frutos, de flores, de folhas. 

O vento varria as luzes,
O vento varria as músicas,
O vento varria os aromas...
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De aromas, de estrelas, de cânticos.


O vento varria os sonhos
E varria as amizades...
O vento varria as mulheres...
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De afetos e de mulheres 
O vento varria os meses
E varria os teus sorrisos...
O vento varria tudo!
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De tudo".

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Educação e Ensino



                         Li hoje um editorial que gostaria de publicar aqui parte dele. Consta em uma revista médica  - IÁTRICO/PR, nº 30, - publicada neste mês. 

Na verdade, é  um interessante número dedicado à exploração do ser. A revista traz - nesse número  - vários textos a respeito da educação dos sentidos e uma belíssima ilustração por meio de obras dos impressionistas Monet e Pino Daeni. 


Vejamos aqui uma parte do "A capa: tudo se transforma"


"[...] Afinal, educação é diferente de ensino. É, depois de ensinado, metabolizar o que foi adquirido e colocar para fora do seu jeito, expressar à sua maneira. Isso é o mais difícil, pois carece de uma luta interna pela qualidade e pelo aperfeiçoamento do próprio eu.

                   Sempre gostei dos impressionistas por isso. Sabiam que  até as pedras do caminho mudam: bastava outra inclinação da luminosidade. Não pintavam, pois, apenas o que viam, mas o que sentiam. E cada um colocava para fora à sua maneira, e à flor do tempo. Assim, uma mesma catedral poderia ser pintada 50 vezes, e era sempre outra catedral. Bastava para isso uma ligeira mudança na luz, nos reflexos, nos detalhes, sempre insuspeitos para nós outros. E sempre com a marca inconfundível do autor, soberano sobre suas impressões, e que lixassem os críticos ou os que não os compreendiam. Isso é educação, ser fiel a si mesmo, recriar o aprendizado a seu jeito. "